Direito e Psicanálise II

              Capítulo V – PSICANÁLISE, PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA – BREVES CONSIDERAÇÕES


1 PSICANÁLISE

          Existe, por parte das pessoas, a tendência de usar o termo “psicanálise” em sentido vago e geral. Mas ele deve ser aplicado apenas aos métodos de investigação e tratamento criados por Freud[1] e às teorias deles derivadas.  Nas lições de Sigmund Freud, o termo psicanálise designa:

          1º) um método de investigação de processos mentais mais ou menos inacessíveis a qualquer outro método;
           2º) uma técnica de tratamento dos distúrbios neuróticos, baseada nesse método de investigação;
           3º) um corpo de conhecimento psicológico cujo acúmulo tende à formação de nova disciplina científica.[2]


1.1 Psicanalista

          É o profissional que aplica os princípios, os postulados, as técnicas e os métodos da psicanálise no tratamento ou na prevenção de distúrbios psíquicos de natureza inconsciente, tais como: perturbações caracterológicas e estados neuróticos, como inadaptação, timidez, impulsividade, sentimento de culpa, desgosto obsedante, escrúpulo excessivo, distrações desagradáveis, dúvidas persistentes, abolias, fobias, obsessões, neurastenias, neuroses de fracassos, perturbações sexuais, como masoquismo, sadismo, homossexualismo, impotência, insatisfação sexual, inibição, frigidez; perturbações somáticas de origem psíquica, como gagueira, enurese, enxaquecas, algias, asmas, dispepsias, paralisias e diversas moléstias de peles, como eczemas e similares; e determinadas psicoses de ordem fundamental, não provocadas por motivos orgânicos, mas por um conflito intrapsíquico.[3]


2 PSIQUIATRIA

          Psiquiatria é o ramo da medicina que lida com o diagnóstico e o tratamento dos transtornos mentais. Ao longo de sua história, desde os primórdios, foi influenciada por idéias de Hipócrates – o pai da Medicina – e por idéias filosóficas, como as de Platão e Aristóteles.
          Nos últimos dois séculos, a psiquiatria tornou-se uma especialidade médica, influenciada por trabalhos clínicos individuais, como os de Philipe Pinel (França, 1745 a 1826), que classificou as doenças mentais em quatro formas principais e estabeleceu um novo tratamento mais humano para enfermos de hospitais de doentes mentais, ao qual chamou de “tratamento moral da insanidade”. Antes dele, podemos citar Willian Baltie (Inglaterra, de 1703 a 1775), primeiro médico a ocupar-se, totalmente, da insanidade. Elevou a “questão da loucura” a uma especialidade respeitada e escreveu o livro Loucura.[4]


2.1 Psiquiatra

          Médico com especialização em medicina, cujo conteúdo abrange a ciência das doenças psíquicas, neuroses, psicoses e respectivos distúrbios mentais, bem como o tratamento a ser aplicado.


3 PSICOLOGIA

          O termo “psicologia” foi utilizado pela primeira vez pelo filósofo grego Aristóteles,[5] em sua obra A Respeito da Alma, e como referência à teoria da alma. Atualmente, a psicologia é considerada ciência, essencialmente relacionada, porém, ao estudo do comportamento e da vivência. Por meio dela se adquirem conhecimentos sobre o comportamento pelo comportamento dos outros e sobre a vivência pela auto-observação. A essência da alma encontra-se ligada à psicologia abissal.[6]


3.1 Psicólogo

          É o especialista em psicologia que a aplica no seu trabalho as atividades de observação do comportamento humano em seus aspectos objetivos, observáveis, que possam ser medidos, compreendidos, controlados e descritos objetivamente. O psicólogo se ocupa, prioritariamente, da mente consciente do indivíduo.


4 FASES DO DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE

          Podemos asseverar, com fundamento no pensamento de notáveis estudiosos, que o indivíduo nasce puro e sua personalidade vai se formando pelos hábitos, atitudes e valores formados durante os estágios do desenvolvimento infantil.

          São três as fases do desenvolvimento da personalidade: fase oral, fase anal e fase fálica.

5 INCONSCIENTE

          Domínio dos processos nervosos que escapam inteiramente ao conhecimento pessoal, como a maioria das regulações orgânicas, reflexos, automatismos, dos quais somente os efeitos podem tornar-se conscientes. Diferencia-se dos processos igualmente inconscientes, num momento dado, mas que, em outro, podem ser objeto de conhecimento pessoal, domínio esse chamado subconsciente.[7]


6 ANSIEDADE

          A ansiedade materializa-se como um sinal de perigo proveniente de sensações desagradáveis. Apresenta uma reação de defesa em conseqüência de estímulos específicos que se libertam de objetos, experiências e acontecimentos percebidos conscientemente. Pode-se sentir ansiedade, também, diante de qualquer fato, porque se verifica uma sensação surgida consciente ou inconscientemente de causas psíquicas ou físicas localizadas de forma particular ou geral e de situações de ameaça.


7 ANGÚSTIA

          A angústia é um mal-estar, ao mesmo tempo psíquico e físico, caracterizado por temor difuso, podendo ir da inquietação ao pânico. Compreende, igualmente, impressões corporais penosas como constrição torácica ou laríngea. Alguns autores distinguem a ansiedade (fenômeno psíquico) da angústia (fenômeno físico). Essa distinção é artificial. A angústia é observada tanto nas psicoses (melancolia) como nas neuroses (psicastenia, neurose de angústia, etc.) [8]


8 PERSONALIDADE NO CONCEITO PSICANALÍTICO

          Personalidade é um conjunto biopsicossocial dinâmico que possibilita a adaptação do homem a si mesmo e ao meio, numa equação de fatores hereditários e vivenciais.
          A primeira concepção tópica do aparelho psíquico foi apresentada por Sigmund Freud em 1900.
          O sistema inconsciente foi concebido como representante dos instintos e das pulsões.
          O sistema consciente foi concebido com um órgão sensorial localizado no limite entre os mundos externo e interno, cuja função é recepcionar as informações deles provenientes.
          O sistema pré-consciente está ligado ao inconsciente e à realidade. Funciona como um pequeno arquivo, onde os conteúdos podem se recuperados por um ato de vontade.
          A partir de 1920, Freud elaborou outra concepção de personalidade, denominada segunda tópica, constituída também de três instâncias, embora não homólogas. São o ego, o superego e o id. [9]

          • ID: Podemos entender id como a instância pulsional do psiquismo. Seu conteúdo é totalmente inconsciente. Ele é o grande reservatório de impulsos e instintos. É irracional, ilógico e amoral. Consiste no conjunto de reações mais primitivas da personalidade humana, que compreende os esforços para conseguir satisfação biológica imediata, sem avaliar conseqüências.[10]
O indivíduo nasce puro e vazio, o meio e as influências é que o lapidam.

          • EGO: O ego funciona como a sede de quase todas as funções mentais. Toda consciência cabe ao ego, que se responsabiliza, portanto, pelo contato com o ambiente e com a realidade externa. O ego, nesse sentido, é um simples feixe de funções: percepção, atividade, juízo. Entretanto o ego não é só consciência, existem funções inconscientes dele representadas pelos seus famosos mecanismos de defesa. Em resumo, se o id é puro inconsciente, o ego está ligado estreitamente ao sistema pré-consciente-consciência.

          • SUPEREGO; Na estrutura teórica da personalidade descrita por Freud, o superego é a mais recente formação ou componente do sistema de energias mentais e foi correlacionado com o declínio e a dissolução do complexo de Édipo.
          A noção de superego foi inspirada nos estudos de introjeção de Dandor Ferenczi (a progressiva introjeção,[11] pela criança, dos eventos em seu meio vital e suas relações com o desenvolvimento de uma intuição moral a partir do ego).
          O superego é o representante de uma natureza superior: “Eu”. Atua no sentido de evitar punições por transgressões ou fomentar idéias moralmente aceitas. Assim, tanto pode reprimir e criticar as idéias, impulsos e sentimentos inconscientes que afetam o comportamento moral e judicativo da personalidade (atividade que dá o nome de consciência), como pode apoiar a realização de uma natureza superior (ego ideal).
          Muito do que existe no superego encontra repercussão no id. O superego desempenha uma espécie de papel intermediário entre o id e o mundo exterior, reunindo as influências do passado e do presente.[12]


9 DISTURBIOS DE PADRÃO DA PERSONALIDADE

          • Personalidade inadequada: é a incapacidade de adaptação, inépcia, discernimento sofrível, ausência de vigor físico e emocional, incompatibilidade emocional.

           • Personalidade esquizóide: evita relações interpessoais estreitas. A pessoa e incapaz de expressar hostilidade ou pensamento altruístico.

           • Personalidade ciclotímica: tipo extrovertido de relacionamento com a realidade, competitividade, alterações freqüentes de humor.

           • Personalidade paranóide: hipersensibilidade nas relações interpessoais, desconfiança, inveja, ciúme, teimosia e mecanismo semelhantes de projeção.


10 PSICOSE

          O conceito de psicose alcança, na maioria das vezes, uma extensão extremamente ampla, de maneira a abranger todas as doenças mentais.
          Para a psicanálise, não se procurou, a princípio, edificar uma classificação que abrangesse a totalidade das doenças mentais, a exemplo da psiquiatria, em que o psiquiatra precisa conhecer. Para a psicanálise, o interesse incidiu, em primeiro lugar, nas afecções mais diretamente acessíveis à investigação analítica. Nesse campo mais restrito que o da psiquiatria é que as principais distinções se estabelecem entre as perversões, as neuroses e as psicoses.
          Neste último grupo, a psicanálise procurou definir diversas estruturas: paranóia (na qual estão incluídas de modo geral, as afecções delirantes) e a esquizofrenia, por um lado, e, por outro, a melancolia e a mania.


11 PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA (PMD)

          Com as descobertas do século XIX e com as pesquisas elaboradas no século XX nessa área, os estudiosos da psiquiatria classificavam no CID-10 e DSM-IV os diagnósticos das manias como loucura. Não se fez nenhuma distinção entre problemas endógenos[13] ou exógenos,[14] conflitando com neuroses e transtornos depressivos sugestionados pelo ambiente e excessos de problemas diversos que não tem a mesma gravidade das psicoses.
           A psicose alcança uma gama de doenças mentais que podem manifestar de forma organogenética (paralisia geral) ou por etiologia (esquizofrenia). São chamadas de “loucura circular” e se caracterizam pela sucessão das fases maníaco-depressivas de origem endógena.
           Na depressão endógena, o individuo apresenta-se deprimido, melancólico, triste, angustiado, desesperado e entorpecido, [15] de modo geral apático e com inibição de pensamento (muito próximo do suicídio).
          A mania [16] é característica fundamental para afetar o humor. O individuo eufórico, exaltado, alternando alegria com irritabilidade desinibida e, em geral, com aumento dos impulsos, entra em conflito com a sociedade.
          As psicoses são sempre tratadas com medicamentos e têm prognóstico muito reservado. Não são indicados para esses casos tratamentos psicológicos, psicanalíticos, comportamentais.
          O psicótico está sempre no limite borderline, entre a insanidade e a loucura. São distúrbios “importantes” mais graves, intensos e desintegradores: tendem a afetar toda a vida do paciente.
           Atualmente os pesquisadores e estudiosos da matéria estão separando o PMD em novas classificações, que na verdade são neuróticos de várias origens psicossomáticas,[17] como existencial, motora, compulsiva, oclusiva, de defesa, de caráter, de ansiedade, que são tratáveis pelos psicanalistas. São chamados de transtornos bipolares I e II.
           Embora existam alguns pesquisadores que não concordam com a substituição da expressão “psicose maníaco-depressiva” (PMD) pela novel terminologia “transtornos bipolares”, não é motivo para desânimo. Devemos aplaudir essa corrente inovadora e colaborar com as novas pesquisas.
           Não podemos classificar todos os carentes psicológicos como psicóticos. Na verdade, são pacientes apenas carentes e apresentam quadros de depressão representados pela excitação das funções psíquicas caracterizadas pela exaltação do humor e atividade psicomotora aumentada. Entre as dezenas de distúrbios psicossomáticos catalogados e tratáveis, na maioria dos casos a palavra é um elixir salvador que tem poderes de reconduzir a pessoa a uma vida saudável e, muitas vezes, evitar grandes tragédias que poderiam destruir o indivíduo e seus familiares.[18]


12 NEUROSE

          Trata-se de uma afecção psicogenética em que os sintomas constituem a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem as suas raízes na história infantil do indivíduo e consiste em compromissos entre o desejo e a defesa. O alcance do termo neurose tem sofrido variações nos nossos dias, ou seja, tem sido direcionado para as formas clínicas que podem ser ligadas à neurose obsessiva, à histeria e à neurose fóbica. A nosografia [19] distingue, assim, neuroses, psicoses, perversões e afecções psicossomáticas, enquanto a nosografia, que trata das “neuroses atuais”, “neuroses traumáticas” ou “neuroses de caráter”, continua a ser discutida.


          Notas:

          1. Sigmund Freud, médico e psiquiatra austríaco, nasceu em Freiberg, Moravia, em 1856, e morreu em Londres, em 1939, onde exilou em face do nazismo. Foi o fundador da psicanálise no final de século XIX, constituída de um método de investigação psicológica empregado no tratamento das neuroses através da procura das tendências e influências reprimidas no inconsciente do indivíduo e do seu retorno ao consciente pela analise.

          2. Cf. LAGACHE, Daniel. A psicanálise, p. 7.
 
          3. Cf. RAMOS, Chaia. Direito & psicanális, p. 150.
 
          4. FIGUEIREDO, Jorge Barros. Psiquiatria I. material didático para a disciplina psiquiatria, p. 2.
 
          5. ARISTÓTELES, filósofo grego, nasceu em Estagira, Macedônia, em 384 a.C., e morreu em Cálcis, Eubeia, 322 a. C. Foi preceptor de Alexandre, o Grande. Foi o fundador da escola peripatética. Seu sistema mostra a natureza como um imenso esforço da matéria para elevar-se ao pensamento e à inteligência.

          6. DOUCET, Friedrich W. A psicanálise: exposição comparada dos textos de Freud, Adler e Jung, p. 163.

           7. PIÉRON, Henry. Dicionário de psicologia, p. 280.

           8. PIÉRON, Henry. Dicionário de psicologia, p. 31.
 
           9. Cf. TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito, p. 60.
 
           10. Cf. TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito, p. 61.

           11. Termo originário da filosofia para designar as representações do mundo exterior englobadas no psíquico ou na projeção de representações interiores os objetos do mundo exterior. Em psicanálise, é utilizado para designar a incorporação dos objetos pelo ego como fonte de prazer.
 
           12. COSTA, Sérgio Fernandes da. Teoria psicanalítica I. material didático para a disciplina psicanálise, p. 2.

          13. Endógeno: originado no interior do organismo, ou por fatores internos; nascido de dentro para fora.

          14. Exógeno: que cresce exteriormente ou para fora.
 
          15. Entorpecido: que está em torpor; mole, enfraquecido, desanimado, desalentado, torpente, tórpido.
 
          16. Mania: estudos psiquiátricos enquadram a mania como um característica de uma estado maníaco-depressivo. Verifica-se a aceleração de representações sensoriais, da fala e do movimento.

          17. Psicossomático: distúrbios que pertencem ou estão relacionados, simultaneamente, aos domínios orgânico e psíquico (emoções, desejos, medo). Estudos indicam que a úlcera gástrica, muitas vezes, pode ter sua origem numa lesão psicossomática.

           18. Cf. RODRIGUES, Odair Assis. Sexologia dentro do espaço psicanalítico, 2004. 89f. Monografia. Psicanalista Clínico. Escola Fluminense de Psicanálise Clínica, 2004.
 
           19. Nosografia é a descrição metódica das doenças.


              Capítulo VI – DIREITO E MECANISMOS DE DEFESA

1 COMPORTAMENTOS CRIMINOSOS

          A psicanálise teve papel decisivo na renovação da criminologia, orientando-a para o estudo da personalidade e da conduta do criminoso. As pesquisas nesse campo tornaram-se ativas a partir da década de 1920, alcançando tanto a conduta dos adultos quanto a das crianças. Destacam-se nessas pesquisas Reik, Alexander, Greef, Staub, Healy, Aichhorn, Zulliger, Schmiedeberg, Friedlander, Bowlby.
          Seu diagnóstico depende das condições sociais e, sobretudo, psicológicas, isto é, da atitude do criminoso em relação ao seu ato, que ele não julga penoso nem culposo. Sem dúvida, em 20% dos casos aproximadamente, o criminoso é um doente. Entre os crimes patológicos, o crime neurótico é uma ação não adaptada à realidade, cujo fim é reduzir uma tensão interior.[1]


2 CRIME CULPOSO

          É o crime causado pela imprudência, pela negligência ou pela imperícia do agente e punido pela lei penal.


3 CRIME DOLOSO

           É o crime voluntário, aquele em que o agente teve a intenção maldosa de produzir o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
           Nos crimes dolosos, é muito mais evidente e mais ampla a participação da vontade. Contudo, em sua prática podem entrar em jogo mecanismos profundos filiados ao complexo de Édipo. Entre esses mecanismos estão a “projeção” e a “racionalização”.
           Para um uxoricídio ocorrido em São Paulo em 1941, o Dr. João de Deus Cardoso de Mello, opinando como Procurador-Geral, invocou habilmente esse mecanismo: “O criminoso, vítima de tendência edipiana, projetava no filho os desejos incestuosos e, na mulher, a inclinação para o adultério”.[2]


4 REPRESSÃO

          Repressão são os mecanismos de defesa psíquicos para a recusa e a eliminação da consciência de todas as exigências indesejáveis dos impulsos e dos desejos.
           Em sentido amplo, repressão é a operação psíquica que tende a fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno: idéia, afeto, recalque.

          Em caráter restrito, designa certas operações do sentido diferente do recalque:

          a) pelo caráter consciente da operação e pelo fato de o conteúdo reprimido se tornar simplesmente pré-consciente e não inconsciente;

          b) no caso da repressão de um afeto, porque este não é transposto para o inconsciente, mas inibido ou, mesmo, suprimido.


5 IDENTIFICAÇÃO

           É um processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, no modelo dessa pessoa. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações.


6 EMPATIA

           A empatia é uma forma saudável de identificação, limitada e temporária, permitindo a uma pessoa sentir-se identificada com outra e compreender suas experiências e sentimentos. A pessoa empática possui uma grande capacidade para se projetar nas situações e sentimentos dos outros. Essa característica só será encontrada nas pessoas que possuem uma personalidade flexível. Ressalte-se que muitos delinqüentes possuem propensão de empatia com suas vítimas.


7 RACIONALIZAÇÃO

           É o processo pelo qual o indivíduo procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma idéia, um sentimento, cujos motivos verdadeiros ele não percebe. Fala-se mais especialmente da racionalização de um sintoma, de uma compulsão defensiva, de uma formação reativa.

8 NEGAÇÃO

           Processo pelo qual o indivíduo, embora formulando um dos seus desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcado, continua a defender-se dele negando que lhe pertence.


9 PROJEÇÃO

          Termo utilizado em sentido muito geral, em neurofisiologia e em psicologia, para designar a operação pela qual um fato neurológico ou psicológico é deslocado e localizado no exterior, quer passando do centro para a periferia, quer do sujeito para o objeto. Esse sentido compreende acepções bastante diferentes.
           No sentido propriamente psicanalítico, operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo “objetos” que ele desconhece ou recusa nele. Trata-se, aqui, de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação particularmente na paranóia, mas também em modos de pensar “normais”, como a superstição.


          Notas:

          1. Cf. LAGACHE, Daniel. A psicanálise, p. 75-76.
          2. RAMOS, Chaia. Direito & psicanálises, p. 99.


                Capítulo VII – LEGISLAÇÃO E PARECERES PERTINENTES AO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA PSICANÁLISE

1 EXERCICIO DA PSICANÁLISE NO BRASIL E NO MUNDO

            A psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e em nenhum outro país. Mesmo entre os psicanalistas e as diversas associações que os formam no Brasil e no mundo existem muitas controvérsias e discussões, embasadas no processo de formação e na natureza do exercício da prática terapêutica, sobre as possibilidades de sua regulamentação.

2 RECONHECIMENTO E REGULAMENTAÇÃO DA PSICANÁLISE

          Do latim recognitio, recognoscere (conferir, cotejar, inspecionar, examinar, achar de novo), o vocábulo reconhecimento empregado, na linguagem jurídica, em várias acepções, todas elas, em verdade, trazendo a afirmação ou a confirmação dos fatos reconhecidos.[1]
          É com base nesse conceito de reconhecimento, confirmado pelos usos e costumes nacionais e estrangeiros, que os psicanalistas vêm legitimamente exercendo suas funções, desde o inicio do século passado, quando da criação da psicanálise.
           O termo regulamentação, derivado de regulamentar (expedir regulamento, prescrever regras sobre forma), designa a instituição de normas ou regras referentes ao funcionamento de certas coisas e à execução de atos. E a disposição de forma para que se apliquem ou se cumpram medidas ou regras legais.[2]
          No Brasil, somente o Congresso Nacional tem poderes para regulamentar uma nova profissão, por meio de criação, votação, aprovação e sanção presidencial.


3 PRECEITOS CONSTITUCIONAIS

          No Brasil, seu exercício se dá de acordo com o preceituado na Constituição Federal, arts 5.º, incisos II e XIII, e 153, § 23, que dispõe:

          “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer”.

          Sobre a legalidade da prática profissional psicanalítica, acrescentam-se ainda o Aviso Ministerial n° 257, de 6 de junho de 1957; o Parecer do Conselho Federal de Medicina, Processo Consulta n° 4.048/97, de 11/2/98; o Parecer n° 309/88, da Coordenadoria de Identificação Profissional do Ministério do Trabalho; o Parecer n° 159/2000, do Ministério Público Federal e da Procuradoria da República, do Distrito Federal; e Portaria n° 1.334, de 21 de dezembro de 1994.


4 PARECER N° 02/98, DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, PROCESSO CONSULTA N° 4.048/97 DE 11/2/98

          Manifestou o Conselho Federal de Medicina, em 11 de fevereiro de 1998, que a atividade psicanalista é independente de cursos regulares e acadêmicos, sendo os profissionais formados pelas sociedades psicanalistas e analistas didatas. Apesar de manter interfaces com várias profissões pela utilização de conhecimentos científicos e filosóficos comuns a diversas áreas do conhecimento, não se limita a especialidades de nenhuma delas, constituindo-se uma atividade autônoma e independente.


5 PARECER DO PROCURADOR DA REPÚBLICA N° 159/2000

          Esse parecer foi dado no dia 24 de agosto de 2000, pelo Procurador Luiz Fernando B. Viana, nos autos da Ação Ordinária n° 1998 34.00.025253-4, interposta pela Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil, com pedido de tutela antecipada.
          O pedido originou-se em decorrência de representação feita pela Sociedade Brasileira de Psicanalistas (ABP), visando obstar a manutenção dos cursos e seminários que a autora promove.


6 AVISO MINISTERIAL N° 257, DE 6 DE JUNHO DE 1957

          1. É lícito a centros de estudos, bem como a qualquer instituto ou centro igualmente credenciado pela Associação Psicanalítica Internacional, contratar os serviços especializados de psicanalistas leigos, cuja formação psicanalítica tenha sido reconhecida pela Associação.

           2. Esses psicanalistas leigos poderão exercer suas especialidade em todas as suas aplicações, dentro ou fora dos institutos que os contratem, desde que os clientes de que se ocupam lhes sejam enviados por indicação escrita de médico diplomado, que terá responsabilidade sobre eles.

          3. Estas normas comunicadas para os devidos fins ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina regularão o assunto até que lei especial estatua a respeito.

          Como profissional do direito, cumpre-me aqui asseverar que essa matéria não era de competência do Senhor Ministro, tendo em vista que, segundo nosso ordenamento jurídico, somente lei federal pode estatuir regulamentação profissional. O Aviso n° 257/57 não pode ser olvidado como um importante marco inicial para o reconhecimento da psicanálise em nosso país pelo Poder Executivo.
          Ademais esse Aviso condicionou o exercício da profissão à formação psicanalítica por meio de entidades reconhecidas pela Associação Psicanalítica Internacional. Entendemos que tal subordinação do exercício profissional de brasileiros a uma entidade alienígena é um ato contrário à soberania nacional e, portanto, inconstitucional e ineficaz tal exigência.


7 CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES (CBO)

          O Código da Atividade do Psicanalista, na Classificação Brasileira de Ocupações, instituídas pelo Ministério do Trabalho, conforme a Portaria n° 1.334, de 21 de dezembro de 1994, é o CBO: 0-79.90.


8 PROJETOS DE LEI

          8.1 Projeto de Lei n° 57 de 1975, de autoria do Sr. Francisco Amaral

          8.2 Projeto de Lei n° 729 de 1975, de autoria do Sr. Célio Marques

          8.3 O Projeto de Lei do Senado n° 248, de 1977, de autoria do Senador Sr. Nelson Carneiro

          8.4 O Projeto de Lei n° 4.603 de 1977, de autoria do Sr. Otavio Ceccato

          8.5 O Projeto de Lei n° 2.227, de 1979, de autoria do Sr. Pacheco Chaves

          8.6 O Projeto de Lei n° 2.510, de 1979, de autoria do Sr. Simão Sessim

          8.7 O Projeto de Lei n° 3.944, de 2000, de autoria do Sr. Eber Silva

          8.8 O Projeto de Lei n° 2.347, de 2003, de autoria do Sr. Simão Sessin°


          Notas:

         1. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, v. 4. p. 78.
         2. Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, v. 4, p. 78.


CONCLUSÃO

          Depois de longa análise com base nos princípios gerais do direito; nos ensinamentos da psiquiatria, da psicologia e da psicanálise; na análise da legislação vigente, consubstanciada na Constituição Federal e no Aviso Ministerial de n° 257, de 6 de junho de 1957; nos vários Projetos de Lei apresentados ao Congresso desde 1975; nos Pareceres do Procurador da República e do Conselho Federal de Medicina; bem como nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais que orientam e regulamentam a matéria – respondemos a questionamentos feitos quando de nossa proposta de pesquisa e chegamos ao seguinte entendimento:

          1. O direito constitucional, indiscutivelmente, possui poder predominante sobre os demais ramos do direito, tendo em vista que toda legislação ordinária terá que seguir seus princípios, ou seja, conhecer o direito constitucional é, antes de tudo, conhecer os preceitos contidos na Constituição Federal, lei máxima de um país, que reflete diretamente na vida do cidadão, determinando seus deveres, direitos e garantias.

           2. Direito significa, etimologicamente, o que é reto, o que não se desvia, seguindo uma só direção. É tudo aquilo que é conforme a razão, a justiça e a eqüidade. É o complexo orgânico do qual derivam todas as normas e obrigações, para serem cumpridas pelas pessoas, compondo um conjunto de deveres, dos quais não podem fugir, sem que sintam a ação coercitiva da força social organizada. Ressalte-se que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido e ninguém pode deixar de cumprir a lei, alegando desconhecê-la, e, sobretudo, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

          3. A psicanálise, na sua concepção mais simples, é a ciência do inconsciente, criada no final do século XIX por Sigmund Freud, e fundamenta-se em um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações e das produções imaginárias.

          4. Quanto à influência da doença mental na prática de crimes ou na desobediência às normas, tivemos a oportunidade de examinar algumas patologias e confirmar que a presença delas leva a pessoa agir de forma diferente da que agiria em plena saúde.

          5. A psicanálise está intrinsecamente ligada ao direito, e ambos têm como fim o bem-estar do indivíduo. Ambos utilizam a palavra: o direito, de forma preventiva e coercitiva para dirimir conflitos; e a psicanálise, mediante a compreensão do indivíduo e de seus traumas pela livre associação das ideais.

           6. O psicólogo, o psiquiatra e o psicanalista, de forma distinta, procuram promover o bem do indivíduo.

           O psicólogo é o especialista em psicologia que aplica no seu trabalho as atividades de observação do comportamento humano em seus aspectos objetivos, observáveis, que possam ser medidos, compreendidos, controlados e descritos objetivamente. O psicólogo se ocupa, prioritariamente, da mente consciente do indivíduo.

           O psiquiatra é o médico com especialização em medicina, cujo conteúdo abrange a ciência das doenças psíquicas, neuroses, psicoses e respectivos distúrbios mentais, bem como o tratamento a ser aplicado, inclusive com o uso de medicação.

          O psicanalista é o profissional que aplica os princípios, os postulados, as técnicas e os métodos da psicanálise no tratamento ou na prevenção de distúrbios psíquicos de natureza inconsciente.

          7. Legitimidade para o exercício da psicanálise. A psicanálise não é regulamentada como profissão no Brasil e em nenhum outro país do mundo. Entre os psicanalistas e as diversas associações que os formam no Brasil e no mundo, existem muitas controvérsias e discussões fundamentadas no processo de formação e na natureza do exercício da prática terapêutica e sobre as possibilidades de sua regulamentação.

           No Brasil, na falta de uma lei que regulamente o exercício da profissão, esta é suprida com o preceituado na Constituição Federal arts. 5.º, incisos II e XIII, e 153, § 23.

           Prevalece hoje, no Brasil, a legitimidade do exercício àquele que possui curso superior, participou de curso de formação específica, ministrado por uma associação de psicanalistas e trabalha de acordo com os princípios morais e éticos que devem nortear a conduta de todo homem e profissional serio.


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*Arnaldo de Souza Ribeiro é Advogado, Confencista, Mestre em Direito Privado pela UNIFRAN. Vice-coordenador e Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Itaúna. Professor convidado da ESFLUP - Escola Fluminense de Psicanálise Clínica. RJ.
E-mail: souzaribeiro@nwnet.com.br

 

Arnaldo de Souza Ribeiro

Publicado no Recanto das Letras em 26/10/2009
Código do texto: T1887745

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