Senhor Professor Doutor Gastão Pereira da Silva

O MAIOR DIVULGADOR DA PSICANÁLISE NO BRASIL
SENHOR PROFESSOR DOUTOR GASTÃO PEREIRA DA SILVA

(in memoriam)


Dr. Wagner Paulon
1978 - 2010

 

O Conselho Brasileiro de Psicanálise ( I.N.N.G.) e suas regionais, rendem Homenagens ao Maior Divulgador da Psicanálise no Brasil, o Dr. Gastão Pereira de Silva, que foi um tanto quanto esquecido, difamado e muita vezes humilhado pelos “senhores catedráticos e acadêmicos” da época e ainda, por muitos de hoje.

Jornalista, Médico, Psicanalista, Pesquisador e Escritor, Dr. Gastão Pereira da Silva (1897 a 1987), durante a Era Vargas. Nasceu em S. José do Norte, RS, 17 nov. 1898. Médico pela Fac. de Med. do Rio de Janeiro. Médico no interior do RS. Médico psicanalista no Rio de Janeiro. Biógrafo, Novelista, Tradutor e Teatrólogo. Foi o primeiro e o maior divulgador da Psicanálise de Sigmund Freud no Brasil.

Dr. Gastão Pereira da Silva, um dos primeiros psicanalistas do Rio de Janeiro, que inicia sua prática nos anos 30, nunca entra em qualquer das sociedades de formação fundadas posteriormente e é geralmente esquecido pelas grandes histórias da Psicanálise brasileira, ao contrário de Porto-Carrero, Arthur Ramos e outros "pioneiros", todos professores catedráticos, membros destacados da Academia Nacional de Medicina, ou ocupantes de cargos públicos, Dr. Gastão Pereira da Silva afirma ter praticado "medicina em lombo de burro" no interior antes de interessar-se pela Psicanálise no final dos anos 20.

Notabilizou-se como combativo crítico das normas e regulações da formação de psicanalista preconizadas pela International Psycoanalytic Association (IPA), por julgá-las elitistas e por ser peremptoriamente a favor da análise leiga. Além de lutar para tornar o debate sobre a psicanálise um tema mais acessível ao público leigo, Dr. Gastão Pereira da Silva foi um crítico severo das normas elitistas da formação em psicanálise.

Além da sua atuação na imprensa, com passagens pelas revistas (Carioca, Vamos Ler, Dom Casmurro e Seleções Sexuais), Dr. Gastão Pereira da Silva atuou como médico, psicanalista, escritor, pesquisador e jornalista. Escreveu mais de 50 livros, escritos de modo a tornar a leitura de seus pressupostos teóricos acessível ao leitor leigo, como radialista criou programas de radio-Teatro e radionovela na Rádio Nacional, tornando-se um nome de referência na introdução da psicanálise no dia a dia de nossa população urbana. Defensor da liberdade de imprensa e dos direitos humanos, foi sócio e Conselheiro da ABI - Associação Brasileira de Imprensa e membro titular da Sociedade Brasileira de Criminologia (SBC).

De suas iniciativas, o Dr. Gastão Pereira da Silva ainda criou em 1955, um curso de Introdução à Psicanálise por correspondência que se destinava a divulgação da teoria freudiana sem qualquer caráter médico ou terapêutico. Utilizou os Correios como meio de divulgação da psicanálise respondendo inúmeras cartas daqueles que tomavam conhecimento, que o Dr. Gastão Pereira da Silva responderia às suas dúvidas. Dedicou-se a clínica psicanalítica em consultório particular desde os anos 30 até a década de 70.

A trajetória d Dr. Gastão Pereira da Silva se trama com o discurso planejado como andamento da prática social e de uma biografia constituída pela herança dos ideais iluministas (da desigualdade entre os homens...) da emancipação do sujeito, do projeto de universalização dos saberes, do acesso aos avanços da ciência sob a égide da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Esse trinômio o levou a tomar para si a divulgação da psicanálise como projeto fundamentado nos ideais libertários da modernidade.

Preferindo os meios de comunicação, isto é, jornal, rádio e revista à academia, transformou-se num dos maiores divulgadores da psicanálise. Com o intuito explícito de tornar a doutrina freudiana acessível ao leitor comum publicou, em 1931, o livro (Para compreender Freud). Esse primeiro livro do Dr. Gastão Pereira da Silva, que em 1942 estará na sua sexta edição, é publicado às expensas do próprio autor. Os livros seguintes serão publicados por editoras diversas, incluindo a prestigiosa José Olympio, que nos anos 50 inicia a publicação de suas obras completas.

Dentre os inúmeros títulos de sua autoria encontramos “Lenine e a Psicanálise”, “Crime e Psicanálise”, “Neurose do Coração”, “Educação Sexual da Criança”, “A Psicanálise em Doze Lições”, “Conhece-te pelos Sonhos”, “O Drama Sexual dos Nossos Filhos”, “Vicios da Imaginação” (primeiro publicado pela José Olympio, em 1939, terá seis edições até 1956) e “O tabu da Virgindade”.

Para se ter uma ideia da prolixidade do Dr. Gastão, basta dizer que, em 1933, quando era lançada a terceira edição de “Para compreender Freud”, ele publicou também “Um para 40 milhões”, “Procópio Ferreira através da Psicanálise” e “Lenine e a Psicanálise”.

Em 1934 publicou “A Psicanálise em 12 lições”, “Educação Sexual da criança”, “A Psicanálise e Neurose do Coração”, cada um por uma editora (Moderna, Mariza, Andersen e Atlântida).

Também é interessante acompanhar suas relações com a José Olympio, a editora de maior prestígio no período, responsável pela publicação dos maiores nomes da literatura brasileira da época.

Em 1939, a editora publicou “Vícios da imaginação”, com uma segunda edição em 42, uma terceira em 46 e uma quarta em 48. Enquanto isso lançou “Como se interpretam os sonhos” em 1943 e “Como se pratica a Psicanálise” em 1948. Como se vê, o investimento da editora que publicava (José Lins do Rêgo, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Jorge Amado, entre outros).

A Editora Jose Olympio investia muito no Dr. Gastão Pereira da Silva, tendo sida, pelo visto, largamente recompensada, já que os livros do Dr. Gastão Pereira da Silva não vendiam apenas sua primeira edição, pelo contrário, continuavam vendendo no decorrer do tempo.

Além dos livros, Gastão manteve intensa atividade na imprensa escrita. Em 1934, criou na revista Carioca a coluna Psicanálise dos sonhos, ilustrada por uma fotografia de Freud (que dá origem ao livro “Conhece-te pelos sonhos”). Na revista, (Vamos Ler), manteve uma coluna intitulada Página das mães (da qual nasceu o livro “Conheça seu filho”).

Posteriormente colaborou na (Revista Seleções Sexuais), com a seção "Confidências". Ainda nos anos 30, manteve durante três anos o (programa "No mundo dos sonhos"), na Radio Nacional, no qual, segundo suas palavras, "radiofonizava os sonhos (enviados pelos ouvintes)”, como se fossem pequeninas histórias, em sketchs, interpretadas pelo cast do rádio-teatro daquela emissora. No mesmo período, começou a escrever radionovelas de cunho psicanalítico e em sua autobiografia, lista 44 títulos de sua autoria que foram ao ar.

Criou ainda um Curso de Psicanálise por correspondência, sobre o qual escreveu: “O poder de penetração desse curso levado, por outro lado, pelo número de uma simples caixa postal, através do rádio, permitiu-me estabelecer contato com muita gente sofredora, esquecida por assim dizer, em certos lugarejos tão distantes, quanto, até mesmo, desconhecidos dos mapas.”.

Em seus escritos, além de todo um esforço pedagógico de divulgação dos pontos básicos da teoria freudiana (o inconsciente, a sexualidade infantil, o complexo de édipo, o superego) com uma linguagem acessível, o Dr. Gastão Pereira da Silva divulga também autores e teorias sexológicas da época.

Seus livros são repletos de relatos de casos que lhe chegaram de leitores de suas colunas ou ouvintes de seus programas, sobretudo sonhos. Todos, obviamente, com conteúdo eminentemente sexual. Essa característica, a abundância de exemplos e relatos de experiências vividas, distingue os livros de divulgação do Dr. Gastão Pereira da Silva daqueles escritos pelos grandes acadêmicos, que também procuravam, em menor escala, se dirigir ao grande público.

Trata-se de um recurso que, se por um lado pode ser visto como sensacionalista, por outro, leva o leitor comum seja a identificar-se com o que está sendo relatado, seja a examinar sua própria experiência, com o intuito de identificar seus próprios sentimentos e vivências, serão eles semelhantes? Será que as coisas se passam da mesma forma comigo?

O objetivo pedagógico básico não é apenas divulgar o teor da doutrina, mas, sobretudo divulgar um certo modo de se auto problematizar, que, uma vez realizado, leva à forma "correta" de nomear, circunscrever e interpretar os próprios conflitos. E, claro, à necessidade de falar de si, desvelar seus sentimentos mais íntimos, a um especialista. É este especialista, e não o padre, os pais ou um amigo, a pessoa indicada a ouvir nossas confidências, o que não ousamos confessar para ninguém.

Ao mesmo tempo, a problematização realizada através dos relatos de experiências e vivências colocava na berlinda os comportamentos ou normas ditados pela tradição. Da educação dos filhos, passando pela virgindade feminina até a sexualidade no casamento, esses comportamentos mais íntimos, mais privados, migravam da seara da tradição para a visão neutra da ciência. Não se tratava, entretanto, de orientar explicitamente o comportamento.
Em seus livros Gastão não necessariamente faz afirmações acerca do que se deve ou não fazer.

O caráter pedagógico de seus escritos está muito mais no ensino de um novo modo de encarar a si mesmo e aos outros, que implica a problematização de determinadas questões ou de determinadas áreas da vida. Pode-se dizer que a extensa produção do Dr. Gastão Pereira da Silva indica a existência, na época, de uma espécie de autoajuda psicanalítico-sexológica que parecia fazer bastante sucesso e que certamente atingia aqueles setores das camadas médias mais tocadas pelo eterno processo de modernização e transformação de valores por que passava e ainda passa a sociedade brasileira.

O que nos leva ao fato já observado no que tange à Argentina e à França, de que a vulgarização da Psicanálise precedeu (e talvez tenha facilitado) sua institucionalização. Ou seja, quando aqui chegaram os enviados da IPA para formar os primeiros psicanalistas brasileiros, já havia sido produzida, mesmo que de forma incipiente, uma demanda por esse tipo estranho de tratamento. Algumas décadas mais tarde, como se sabe, essa demanda incipiente adquiriu feições de uma epidemia, levando legiões de desorientados filhos das camadas médias urbanas para o divã.

O chamado boom psicanalítico dos anos 70, lentamente preparado, como vimos, pela popularização dos anos 30-40, reafirma, através de seu inegável vínculo com a modernização autoritária do período, o caráter intrinsecamente modernizante/civilizador assumido pela psicanálise em solo brasileiro.

BIBLIOGRAFIA: 

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Créditos: Dra.Heloisa Maria Seelinger Pereira da Silva

(Neta do Doutor Gastão Pereira da Silva)

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